Descubra o que a lei brasileira diz sobre a validade jurídica das assinaturas eletrônicas no Brasil.
Descubra o que a lei brasileira diz sobre a validade jurídica das assinaturas eletrônicas no Brasil.
A popularização da Internet e das comunicações digitais nas últimas décadas revolucionou o modo como pessoas, empresas, instituições e governos se relacionam e fazem negócios. Na chamada “era digital”, os conceitos de praticidade, simplificação, celeridade e democratização de oportunidades adquiriram enorme importância nas mais variadas relações.
Neste contexto, a assinatura eletrônica assume papel de destaque na facilitação de acesso a serviços públicos e na formalização de contratações, substituindo, em diversos casos, a necessidade de comparecimento pessoal e as assinaturas manuais. Trata-se de uma tendência que a cada dia ganha mais adeptos ao redor do mundo.
Assinaturas eletrônicas em relações que envolvam o poder público
No último dia 23 de setembro, a Presidência da República sancionou a Lei 14.063/2020, que visa facilitar e ampliar o uso de assinaturas eletrônicas em procedimentos e interações que envolvam o poder público. Essa lei teve origem na Medida Provisória (MP) nº 983/2020, a qual fora aprovada pela Câmara dos Deputados em 11 de agosto e pelo Senado Federal em 1º de setembro. Vale mencionar que a MP foi enviada ao Presidente da República - para sanção ou veto - porque o seu texto original foi consideravelmente alterado pelo Congresso Nacional.
As regras da Lei 14.063/2020 se aplicam apenas a interações entre pessoas físicas ou jurídicas e órgãos do poder público (excetuando-se processos judiciais), bem como interações entre entes públicos distintos e dentro de um ente público específico. Ou seja, tais regras não se aplicam a relações estritamente privadas.
O primeiro passo da legislação brasileira no que se refere à identificação digital foi dado em 2001, quando da edição da MP nº 2.200-2, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). A ICP-Brasil é uma cadeia hierárquica (formada por diversas entidades) que fornece certificados digitais, de modo que os documentos eletrônicos com tal certificação são dotados de presunção de autenticidade.
É inegável que a ICP-Brasil contribuiu em muito para o processo de digitalização dos serviços públicos em nosso país. No entanto, trata-se de um procedimento burocrático e custoso, o que acaba por dificultar o acesso de grande parte da população a serviços públicos digitais. Neste contexto, a Lei 14.063/2020 objetiva ampliar as possibilidades de identificação digital por meio da criação de um regime de assinaturas eletrônicas em três níveis, conferindo previsão legal a outras assinaturas que não as produzidas por meio de certificado digital da ICP-Brasil.
Segundo a Lei 14.063/2020, as assinaturas eletrônicas passam a ser classificadas como:
- assinatura simples: aquela que permite a identificação do signatário de forma simplificada, associando dados a outras informações em formato eletrônico do signatário. A assinatura simples poderá ser usada nas interações de menor impacto com o ente público e que não envolvam informações sigilosas. Por exemplo, requerimentos de informação, agendamentos de perícias, consultas médicas ou outros atendimentos; etc.
- assinatura avançada: aquela que está associada ao signatário de forma unívoca e que permite que o signatário a opere sob o seu controle exclusivo. Essa assinatura deve permitir, ainda, que qualquer modificação posterior no documento seja detectável. A assinatura avançada utilizará certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e da integridade do documento eletrônico, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. Por exemplo, a própria Lei em questão dispõe que a assinatura avançada poderá ser admitida em registro de atos perante juntas comerciais.
- assinatura qualificada: aquela produzida a partir de um certificado digital da ICP-Brasil, nos termos da MP nº 2.200-2/2001. A Lei 14.063/2020 prevê que as assinaturas qualificadas serão necessárias, pelo menos, nos seguintes casos:
- atos assinados por chefes de Poder, Ministros de Estado ou titulares de Poder ou de órgão constitucionalmente autônomo de ente federativo;
- emissão de notas fiscais eletrônicas, exceto com relação a pessoas físicas e Microempreendedores Individuais (MEIs); e
- transferência e registro de bens imóveis.
A classificação de assinaturas eletrônicas acima prevê diferentes graus de exigências técnicas para cada tipo de assinatura e estabelece uma gradação dos respectivos níveis de segurança. Assim, a Lei 14.063/2020 complementa a MP nº 2.200-2/2001, trazendo mais opções de assinaturas eletrônicas (simples e avançadas) além do tipo de assinatura já previsto pela referida MP (certificação da ICP-Brasil / assinatura qualificada).
Como anteriormente mencionado, o texto original da MP nº 983/2020 sofreu alterações no Congresso Nacional e algumas destas alterações foram objeto de críticas. Por exemplo, o Congresso aumentou o rol de hipóteses em que a assinatura qualificada (certificação da ICP-Brasil) seria necessariamente exigida, adicionando à lista original (i) as interações que envolvessem sigilo constitucional, legal ou fiscal; (ii) a transferência de propriedade de veículos automotores; e (iii) a emissão de notas fiscais eletrônicas. Essa medida foi considerada por algumas entidades como criadora de óbices burocráticos - quando a intenção deveria ser desburocratizar e facilitar o processo de assinaturas eletrônicas. Neste caso, o Presidente da República optou por vetar os dispositivos que exigiam assinaturas qualificadas para interações que envolvessem sigilo constitucional, legal ou fiscal e para transferência de propriedade de veículos (mantendo a exigência para emissão de notas fiscais eletrônicas).
É importante ressaltar, ainda, que os entes públicos terão liberdade para estabelecer quais tipos de assinaturas eletrônicas (simples, avançada ou qualificada) serão exigidas em documentos e interações específicas, observadas as limitações da Lei 14.063/2020.
Por fim, como destacado acima, as regras da Lei 14.063/2020 incidirão apenas sobre relações e interações que envolvam o poder público. Quanto aos documentos oriundos de relações estritamente privadas, as regras referentes a assinaturas e contratos eletrônicos decorrem de outros dispositivos da legislação brasileira.
Assinaturas eletrônicas em documentos oriundos de relações privadas
Via de regra, pessoas físicas e jurídicas podem adotar os mais diversos mecanismos e instrumentos para celebrar seus negócios jurídicos, desde contratos verbais ou trocas de mensagens até documentos solenes (como escrituras públicas), passando por contratos firmados eletronicamente. Isso porque o ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da liberdade de forma dos contratos. Segundo o artigo 107 do nosso Código Civil, “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
Em outras palavras, se a lei não determinar uma forma específica para a realização de determinado negócio jurídico (o que ocorre, por exemplo, no caso da compra e venda de imóveis, que deve ser efetivada por escritura pública), qualquer meio ou instrumento utilizado será considerado válido, desde que seja possível comprovar a autenticidade (autoria) e integridade (não adulteração) do documento.
Ainda que se reconheça a existência e validade de formas de contratação que podem ser consideradas “precárias” (como os contratos verbais), é sempre recomendável firmar um instrumento particular para regular e disciplinar a relação jurídica em questão. Uma das vantagens do instrumento particular é a presunção de veracidade sobre o conteúdo do mesmo em relação aos seus signatários. Neste sentido é o artigo 219 do Código Civil: “as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários”.
Com relação a documentos eletrônicos, a já mencionada MP nº 2.200-2/2001 confere a mesma presunção de veracidade aos documentos que possuem certificação digital da ICP-Brasil, conforme segue:
Art. 10. (...) § 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, (...).
No entanto, a própria MP nº 2.200-2/2001 deixa claro que as partes de um negócio jurídico podem valer-se de outros meios eletrônicos, que não a certificação da ICP-Brasil, para realizar um contrato eletrônico. Senão vejamos:
Art. 10. (...) § 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
Dessa forma, a MP nº 2.200-2/2001 abriu espaço para certificados digitais não emitidos pela ICP-Brasil ou “outro(s) meio(s) de comprovação da autoria e integridade”, sendo importante destacar a ressalva ao final do referido dispositivo, segundo a qual o certificado ou outro meio de comprovação deverá ser “admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.
Neste passo, vale menção ao seguinte enunciado aprovado pela IV Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal: “o documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada” (enunciado nº 297).
É bem verdade que contratos eletrônicos com e sem certificação da ICP-Brasil acabam por ter efeitos jurídicos distintos, mas isso não significa que os contratos sem tal certificação não sejam válidos. Muito pelo contrário. Como mencionado, a legislação brasileira é clara ao reconhecer a validade de contratos eletrônicos em geral, possibilitando contratações ágeis, práticas e em linha com a evolução tecnológica da sociedade contemporânea.